domingo, 29 de setembro de 2013

Outra mudança

     Outra vez tive de me mudar, desta vez contra a minha vontade. Há cinco dias deixei a área central da cidade e vim para Wandsworth, bem pertinho do bairro de Tooting Bec, onde ficava meu primeiro endereço por aqui. É uma área cheia de parques e áreas verdes onde espero continuar bem, apesar de novamente ter de pegar metrô e fazer uma viagem de 40 minutos todos os dias. Ao menos terei muitos lugares propícios para o futebol, as corridas e os exercícios físicos.
     Bem ao lado da casa que aluguei fica um clube onde sempre vejo meninos de sua idade, aparentemente escolares, disputando alguns jogos de futebol em uniformes um tanto coloridos demais. Correspondendo à tradição inglesa, sempre vejo muitos chutões e muita correria. Se você estivesse lá, colocaria a bola no chão e faria um jogo de classe, com dribles na hora certa e passes certeiros.
     Saí pela região hoje à tarde, numa longa caminhada. Estou me sentindo um tanto triste nestes dias. Talvez meu coração tenha ficado no Brasil por ocasião de minha última viagem, não tendo retornado ainda para cá. Amanhã mesmo, porém, estarei novamente muito envolvido na rotina de aulas, exames e pesquisas. Isso me ajudará a não ficar cultivando esse sentimento e, ao mesmo tempo, a aproveitar as coisas boas que tenho aqui.

sábado, 28 de setembro de 2013

Seu violão, meu engajamento

     Quando nos encontramos em São Paulo, no mês passado, você me contou que possui um violão e que já sabe tocar “Yellow submarine”. Prometeu até trazer o instrumento na próxima vez em que nos encontrarmos, em dezembro, para tocar para mim. Veremos isso. Estou ansioso por esse momento.
     Por aqui o frio começa a chegar. Os clássicos dias cinzentos e úmidos já se fazem presentes, e isso é apenas o início de uma longa temporada. Felizmente poderei escapar disso por um mês, já durante o alto inverno.
     Tenho trabalhado muito e tenho estado muito engajado nas atividades do início do ano acadêmico europeu, mas estou sempre pensando em você. Nestes últimos dias, a saudade está forte. Nesta semana, por exemplo, meu pensamento voou até São Paulo ao organizar as coisas em meu novo escritório na universidade e colocar lá, num porta-retratos, duas fotos de nós dois jogando futebol.
     Estou bem aqui, mas hoje me passou pela cabeça, pela primeira vez desde que vim para cá, o momento de retornar ao Brasil. Não posso fazer isso agora e tenho dois anos de contrato de trabalho pela frente. Mas ao final desse tempo não pretendo continuar em Londres e considerarei minha missão cumprida. Tenho muitas compensações por estar num lugar como este, mas minhas perdas têm sido muito maiores. Ficar longe de você e encontrá-lo apenas uma ou duas vezes por ano tem sido a maior delas. Será uma felicidade retornar, ainda que eu saiba que terei de enfrentar muita sordidez em São Paulo para tê-lo a meu lado.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Lendo com meus alunos e com você

     Estamos em início de ano letivo na Europa. Por isso, desde que retornei do Brasil tenho trabalhado bastante na introdução de meus cursos, muito especialmente aqueles voltados para a literatura brasileira. Hoje mesmo, quando dava uma aula sobre A Hora da Estrela, pude testemunhar a comoção provocada por nossa Clarice Lispector nos alunos ingleses. Talvez uma pequena parte disso se deva a minha própria abordagem do livro, que foi feita com paixão.
     Lembro que passamos algumas horas numa livraria de São Paulo, quando nos encontramos pela última vez. Você me contou dos livrinhos que tem lido, e rimos juntos ao ler um deles, intitulado Piadas para Rachar o Bico, uma coleção de tiradas de humor e adivinhas ao gosto das crianças. Me alegro ao vê-lo próximo dos livros. Não tenho dúvida de que eles o ajudarão a se transformar numa pessoa melhor e muito mais interessante.

sábado, 14 de setembro de 2013

Retornos

    Novamente distante de você e do Brasil, após uma semana muito agitada, me levanto nesta manhã chuvosa de sábado e penso nos poucos mas intensos momentos que passamos juntos durante minha última estadia em São Paulo. Foi uma felicidade reencontrá-lo bem, ouvi-lo dizer que sente minha falta e que sempre pensa em mim.
     Me lembro de que, quando estava em viagem de retorno a Londres, no avião, vim imaginando a possibilidade de você estar aqui comigo. Eu o levaria aos parques, ao teatro, às livrarias; andaríamos de barco pelo Tâmisa, visitaríamos as atrações para crianças, jogaríamos muita bola...
     Em meu último dia em São Paulo, fui convidado a almoçar na casa de meu amigo Ricardo, na região de Aricanduva e Sapopemba, na zona leste. Na ocasião, vi como ele se relaciona com seus dois filhos pequenos, especialmente o menor, de quatro anos, que está sempre a seu lado. Fiquei feliz por ele, mas ao mesmo tempo aquilo me fez avaliar a dimensão da perda que temos tido com nosso afastamento forçado por todos estes anos. Mas não pretendo ficar cultivando a minha dor por aqui. Já me sinto reanimado ante a perspectiva de retornar ao Brasil em meados de dezembro, para as festas de Natal e, muito especialmente, para reencontrá-lo, ainda que brevemente, como é usual. 

sábado, 7 de setembro de 2013

Uma casa desaparecida

    Recentemente, durante os dias passados na casa de minha mãe, em Divinópolis, pude revirar pastas, álbuns e caixas que continham alguns objetos biográficos. Numa delas, encontrei este desenho que fiz há muito tempo. Eu devia ter meus doze ou treze anos quando um dia revolvi me colocar - lápis e papel na mão - diante da casa onde passei a infância e onde ainda morava. Uma casa pequena num bairro pobre de uma cidade provinciana dos confins do interior de Minas. Situava-se ela numa ruazinha significativamente chamada rua Passa Tempo, que, nos meus tempos de menino, nem calçada era, estando em consonância com nossa precaridade institucional, nosso atraso e nossa falta de política para os pobres. No entanto, ali me formei com muitas dificuldades, mas também muita liberdade. Ali adquiri os valores que sigo mantenho comigo.
     Hoje essa casa não existe mais, substituída que foi por outra melhor e mais moderna. A própria rua de minha infância está muito mudada, com sua paisagem completamente transformada, além de haver mantido poucas pessoas daquela época, em virtude de várias mortes e muitas mudanças para outros lugares. De minha parte, não tenho saudade daquele tempo nem olho para o passado com uma atitude sentimental. Mas haverei sempre de reconhecer o valor da experiência que tive ali e jamais renegarei minhas origens, sob pena de vagar à deriva neste mundo em que tudo é tão volátil.
     Talvez eu esteja escrevendo essas coisas para chamar sua atenção para a necessidade de que você sempre busque visualizar um sentido na sua história, não se perdendo nos modismos, na fluidez dos valores contemporâneos nem no complexo de vira-latas que ainda costuma nos assolar de tempos em tempos.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Espelho

     Durante os dias passados em Divinópolis, nestas férias, li muito, pois não tinha muitos compromissos fora de casa e estava feliz por passar muitas horas em minha biblioteca, que fica na casa de minha mãe. Entre leituras extensas, uma passagem do filósofo Søren Kierkegaard no livro Estágios no Caminho da Vida, num texto expressivamente intitulado "Tranquilo desespero",  me chamou a atenção: "Um filho é como um espelho em que o pai se vê, e para o filho o pai é, por sua vez, como um espelho em que ele se vê no futuro."
     Relembrando o pouco tempo que passei com você, há alguns dias, posso ter uma dimensão da profundidade do que escreveu o pensador dinamarquês. Não somente me surpreendi com o quanto sua aparência física se aproximou da minha como pude sentir o quanto temos afinidades de gosto e idiossincrasias comuns. Obviamente também possuímos necessárias e bem-vindas diferenças, mas temos uma essência comum. Mais importante que tudo isso, porém, é o amor que tem sobrevivido às muitas intempéries que a vida vem nos apresentando.
     Que você possa, ao longo de sua trajetória, ser mais feliz que eu tenho sido e consiga realizar coisas mais significativas. Esteja certo de que estarei sempre a seu lado.