domingo, 26 de janeiro de 2014

Outro menino de Dostoiévski


     Nesta tarde chuvosa de domingo, tenho passado o dia em casa. Assim, acabo de assistir a uma filmagem de Os Irmãos Karamázov após haver relido a obra-prima de Dostoiévski durante o tempo que passei no Brasil. O filme fez com que eu prestasse mais atenção e me comovesse mais com a história do menino Iliúcha, filho do ex-militar e agora alcoólatra Snieguirióv. Este, chefe de uma família miserável numa Rússia recém-saída da servidão, fora humilhado publicamente por Dimítri Karamázov, mas se recusou a desafiá-lo para um duelo. Após esse episódio, Iliúcha passa a sentir um ódio tão grande por Dimítri que, agravado pelas condições desfavorecidas em que vivia, virá a adoecer e morrer. Antes, porém, ele deseja crescer logo para poder substituir o pai e vingar a ofensa, matando Dimítri num duelo. Além disso, defende a honra de seu pai contra seus colegas de escola, que o insultam, e morde a mão de Aliócha, irmão do agressor de Snieguirióv. Em vez de cultivar vergonha e ressentimento pelo pai, Iliúcha demonstra possuir espírito nobre ao defendê-lo contra todos, em nome da verdade e da justiça. Através desta personagem, Dostoiévski ressalta sua simpatia por aqueles que, mesmo no infortúnio, não perdem o senso de dignidade nem abandonam a prática efetiva da solidariedade. 
     Como essas coisas permanecem fundamentais hoje em dia! Espero que você seja para sempre uma pessoa generosa, que jamais aceite a injustiça e nem barateie seus valores, seus sonhos, suas atitudes. Em linhas muito gerais, essa é a educação que desejo lhe dar.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

São Paulo: a catedral e a cidade

     Hoje tive de resolver alguns problemas nas margens do Tâmisa, próximo da Tate Gallery. Na volta, passei diante da Catedral de São Paulo ou "Saint Paul's Cathedral", com esta cúpula e esta torre. E meu pensamento voou para uma cidade com o mesmo nome. No frio do inverno de uma manhã que começou com muita neblina e foi se tornando clara e ensolarada, pensei em nossa última conversa pelo telefone. Você me disse que gostaria de vir a Londres e estar aqui comigo. Eu lhe disse que o levaria para um passeio de barco pelo rio e outras pequenas grandes aventuras, que seriam muito especiais por serem realizadas em sua companhia, mostrando-lhe tantas coisas bonitas deste lugar, que você veria pela primeira vez. E faria comentários e perguntas surpreendentes, eu sei.
     Daqui a pouco saio correndo para uma aula. Estou entusiasmado por essa proximidade que o telefone que lhe dei no fim do ano tem nos proporcionado. Nunca o abandonei, nunca o abandonarei.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Divagações de uma noite de inverno

     Este é um período de muito frio, muitas aulas na universidade e dias que escurecem muito cedo. É um pouco aborrecido, pois isso é um desestímulo para as atividades ao ar livre, e a vida gira muito em torno da casa e do trabalho. Penso nas semanas que passei no Brasil e sinto falta dos dias ensolarados e da atração exercidas pelas ruas, as praças, os campos de futebol, os parques. Sinto falta muito especialmente de sua companhia nesses lugares.
     Mas não reclamo de nada. Estou bem, tendo bons projetos para 2014 e a expectativa de no final de maio viajar para o Brasil, onde ficarei durante a Copa do Mundo.
     Em meu último dia em São Paulo, antes de retornar à Europa, passei perto de uma loja de instrumentos musicais em Pinheiros, e um cavaquinho na vitrine me chamou a atenção. De imediato imaginei-o a tocá-lo, agora que tem estado próximo do violão. Sendo fã do choro, pensei em "Tico-tico no fubá", "Odeon", "Delicado", grandes composições e tão profundamente brasileiras. Está decidido: quando eu for ao Brasil e quando nos encontrarmos de novo, vou lhe dar um cavaquinho.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Partindo outra vez

     Já estou de malas prontas e partirei nesta noite para São Paulo e depois para Londres. Vamos nos manter em contato via aplicativos de mensagens instantâneas em nossos telefones móveis. Como lhe disse em nosso último contato, desejo que conversemos com vídeo qualquer da desses, para que eu lhe mostre minha casa e também lugares bonitos da cidade onde hoje moro, onde tenho vivido muitas coisas boas e onde meu trabalho é valorizado e respeitado. E você me prometeu me enviar um vídeo com você tocando violão.
     Partir é sempre meio triste. Neste momento mesmo em que escrevo, Pérola, nossa golden retriever, como se soubesse que me ausentarei por muito tempo, está deitada a meus pés após me acompanhar pela casa o dia inteiro. Como manifestação de carinho, ela de vez em quando lambe minha perna. Alguns amigos já me ligaram para se despedir, parentes me visitaram e minha mãe até preparou um almoço diferente e melhor.
     De todo modo, depois de tantas viagens, de viver longe por tanto tempo, já não sofro muito com esses momentos nem tenho com eles uma relação sentimentalista. Simplesmente é preciso partir de novo, e estou pronto para isso.
     Pretendo acompanhar seu desempenho na escola, seus afazeres e seus projetos. Neste ano, com seu novo telefone, vamos ter um contato mais estreito. E vamos ver parte da Copa do Mundo juntos, em meados do ano, momento que aguardo com grande expectativa.
     Desejo que você fique bem, que esteja feliz e viva generosamente.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Do tempo

     Nestes dias em Divinópolis, tenho sofrido um pouco com o excessivo calor do alto verão tropical. Nunca gostei do excesso de calor e sou um dos poucos brasileiros que não gostam de praia, por exemplo. Talvez por mineirice, prefiro a montanha. 
     No último fim de semana, passei pelo relógio de sol às margens do Itapecerica, que realmente marca as horas com precisão. Quando bem pequeno, você gostava de brincar por ali, sentando-se em seu arco.
     O tempo está passando rapidamente, e na semana que vem já terei de partir de volta para a Europa. Dentro de mais alguns dias, retornarei a São Paulo, mas tudo indica que não nos encontraremos mais uma vez antes de minha longa jornada sobre o Atlântico.
     Tenho um sentimento de que 2014 será um ano especial. De minha parte, tenho vários projetos literários, profissionais e de viagens que, se forem bem desenvolvidos, resultarão em realizações interessantes. E passarei dois meses no Brasil, entre meados de maio e meados de julho, por ocasião da Copa do Mundo. Outro importante projeto é assistir a um dos jogos em São Paulo com você, no estádio. Enfim, há toda uma agenda já com uma variada programação.
     O relógio de sol divinopolitano me lembra que o tempo tem sido aqui um tema constante. Especialmente um utópico mas palpável "dia que virá" me faz seguir adiante como o pai que você nunca perdeu, apesar de tudo o que temos passado nos últimos seis ou sete anos.