Neste mês que você está passando na casa da vovó, seus dias têm tido certa programação. Levantar-se por volta das 8h00, tomar café da manhã e ir para a biblioteca, onde lemos juntos, conversamos e eu lhe mostro algumas coisas que tenho por lá. Outro dia lhe mostrei um par de sapatinhos de quando tinha 3 anos, além de uma coleção de roupas daquele tempo. Você se emocionou com essas relíquias de sua infância. Hoje li para você o poema "Morte do leiteiro", de Drummond, que o deixou de lágrimas nos olhos.
Depois do almoço, você vai para o computador, a fim de jogar seus jogos eletrônicos, pelos quais não me interesso muito e coloco um limite na quantidade de horas ali passadas. Após tomarmos o café da tarde e conversarmos, vamos para o campinho de futebol do bairro vizinho, onde treinamos diversos fundamentos do jogo. Estou impressionado com o seu chute, que está bastante certeiro, e com sua habilidade para conduzir a bola. Mas estou treinando-o para usar muito mais a perna esquerda, para cabecear melhor e para proteger a bola com o corpo.
À noite costumamos ler um pouco mais, jogar damas ou assistir a um filme. Já vimos bastante Chaplin, que você adora (O Garoto, Luzes da Cidade, O Grande Ditador, O Circo); A Vida de Brian, de Monty Phyton; Amores Brutos, de Iñárritu; O Casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto. Mas ontem à noite assistimos também A Estrada, de Fellini. O final, com a morte de Gelsomina e o desespero de Zampanò, que após maltratá-la tanto adquire plena consciência de que a amava, nos fez ir dormir com um nó na garganta. Quando lhe dei o abraço de boa noite, vi que você tinha os olhos rasos d'água.
Hoje sairemos para um açaí depois do almoço e um passeio pelas ruas centrais. Pérola, que está sempre por perto, vai conosco. No calor e sob o sol intenso de nosso verão, veremos a cidade, nos divertiremos e deixaremos a conversa fluir. A felicidade deste mês resgata muito do que não pudemos vivenciar juntos nestes últimos cinco anos.